As bases da transformação digital

Em 2017, decidi mergulhar nos estudos sobre o futuro e um tema particularmente me capturou: a transformação digital. Explorei uma variedade de livros, estudos aprofundados e relatórios de consultorias especializadas no assunto. No entanto, ao tentar durante longos 5 anos aplicando parte da transformação digital em nossas empresas industriais, enfrentamos diversos desafios, e é desafiador compreender por que tão poucas conseguiram implementar, adotar e se reinventar digitalmente de forma eficaz.

Os nascentes digitais – nesse ínterim, as startups foram as que começaram a provocar disrupções significativas no mercado, desafiando gigantes estabelecidos como Nokia, como a Blockbuster, e transformando setores inteiros, como o dos táxis com a chegada do UBER, 99 aqui no Brasil, dos quais até hoje provocam ainda debates e dilemas questionando os modelos de negócios, que vieram pra ficar.

Diante dessas mudanças radicais que vivemos, principalmente pós-pandemia onde acelerou-se a transformação digital no mundo, porém, aqui no Brasil ainda temos uma enorme – pra não der a maioria das empresas ainda com índice de digitalização e maturidade digital mutíssimo baixa. O índice de DX 2023 (PWC + FGV brasil) apontou medida de 3,3, em uma escala de 1 a 6, puxados pelos setor financeiro 4.1 e TICs com 3,8.

Eis que surge portanto uma questão: como devemos abordar a transformação digital e quais são os aspectos cruciais que precisamos considerar? Não posso afirmar que tenho todas as respostas ou uma fórmula mágica. Se assim fosse, eu seria um guru, autor de inúmeros livros e seguido por muitos. No entanto, minha jornada inclui a escrita de um livro que publiquei em 2020 (antes da pandemia), além dos mais de 320 artigos aqui no linkedin sobre o tema e a análise de estudos de caso de várias empresas que navegaram por essa transformação, adquirindo um diferencial competitivo notável.

Estou aqui para compartilhar com vocês toda essa riqueza de experiências acumuladas. Acredito que podemos sintetizar esses aprendizados neste breve artigo. Se você é responsável pela transformação digital em sua empresa, ou lidera uma empresa que está prestes a embarcar nessa jornada (se é que ainda não embarcou, alias, se ainda não embarcou, já está lento, e correndo risco de ser terraplanado por alguém que já começou a fazer), e portanto tenho a confiança de que as dicas e insights que trago aqui serão extremamente valiosos.

Inicialmente, é importante reconhecer que somos mamíferos, e como tais, temos uma tendência instintiva de defender nosso território com vigor, frequentemente lutando com três vezes mais força para preservar nosso espaço em comparação ao esforço do invasor. Imagine, por exemplo, estar na savana, onde um grupo de leões defende seu território contra outros leões que desejam tomar posse dessa área. O defensor do território, motivado pela necessidade de sobrevivência, geralmente luta com uma determinação tripla e, na maioria das vezes, sai vitorioso.

Essa analogia se aplica diretamente ao contexto de transformação digital. Pra usar outra analogia, trago a citação de Salim Ismail, autor do livro #organizações #exponenciais que certa vez disse: “o sistema imunológico das organizações mata a inovação”.

Quando introduzimos novidades e buscamos implementar mudanças significativas, inevitavelmente deslocamos as pessoas de suas zonas de conforto. Como resultado, a reação natural é a defesa. Nesse cenário, o agente de transformação, representando a força da mudança, encontra-se em uma posição aparentemente desvantajosa, sendo “três vezes mais fraco” em comparação à resistência enfrentada. Portanto, é crucial ter em mente que a resistência é uma parte natural do processo de transformação e deve ser considerada desde o início de qualquer iniciativa de mudança.

Com essa compreensão, fica claro que nosso primeiro passo deve ser aumentar o nível de conforto das pessoas que podem inicialmente resistir à transformação digital. A questão central, então, é: como podemos capacitar e tranquilizar essas pessoas? Antes de mergulharmos em estratégias complexas ou frameworks avançados, é essencial compreendermos como cuidar das pessoas envolvidas. A essência da transformação digital reside em entender o comportamento humano, suas opiniões e como podemos assegurar que se sintam seguras e apoiadas durante esse processo, evitando que se tornem obstáculos à mudança.

É importante reconhecer que alcançar um estado de conforto absoluto é uma meta praticamente inatingível, pois a adaptação a novas realidades ou o aprendizado de novos conceitos pode exigir um tempo considerável para algumas pessoas. Portanto, esse entendimento emerge como um aspecto crucial a ser considerado.

Um segundo aspecto crucial a considerar é que nossa economia ainda está enraizada nos paradigmas do século XX. Muitas das estruturas e práticas que seguimos foram estabelecidas no passado e, de certa forma, continuamos a operar sob esses mesmos princípios. Para ilustrar essa ideia, vamos considerar o exemplo da Bolsa de Valores. O principal objetivo ao analisar a performance de uma empresa na bolsa é determinar se ela obteve lucro ou prejuízo em um determinado trimestre. Se os lucros superam as expectativas, o valor da empresa no mercado tende a aumentar, caso contrário, se os lucros ficam abaixo do esperado, o valor de mercado da empresa diminui. Esse mecanismo reflete uma era em que investimentos significativos eram feitos na construção de fábricas, processos que poderiam levar anos para serem concluídos, com a expectativa de que esses ativos gerassem lucros por muitas décadas. Portanto, a obtenção de lucro trimestral não era apenas um indicador de sucesso, mas uma necessidade para justificar o investimento inicial e garantir a viabilidade do modelo de negócio a longo prazo.

Assim como a humanidade evoluiu, com ela evoluíram também os modelos de negócios, porém nessa década, com velocidades ainda maiores, mas nem sempre para melhor. Permita-me compartilhar uma experiência pessoal que ilustra essa mudança. Durante uma viagem, precisei alugar um carro através de um aplicativo. Ao chegar para retirá-lo, deparei-me com uma situação tensa: um cliente discutia com o atendente porque havia reservado uma SUV, mas a locadora pretendia entregar-lhe um sedã. O problema era que o sedã não tinha espaço suficiente para a família e bagagens do cliente que estava na minha frente. Apesar de o atendente argumentar que ambos os veículos pertenciam à mesma categoria, o cliente insistia que a substituição era inaceitável.

Quando chegou minha vez, fui informado de que o carro que eu havia alugado estava reservado em nome de outra pessoa. Mesmo explicando que eu seria o motorista, o atendente disse que isso não era possível. A única solução oferecida foi alugar outro carro diretamente no balcão, a uma tarifa mais elevada. Sem alternativas, acabei pagando mais caro.

Essa experiência levanta uma questão importante: uma empresa com práticas tão desconectadas das expectativas dos clientes pode sobreviver no futuro? A resposta parece ser negativa, especialmente em uma era que valoriza a experiência do cliente. No entanto, paradoxalmente, observei que as ações dessa empresa continuavam a subir. Isso me fez refletir sobre a dinâmica atual do mercado.

Empresas ancoradas em modelos do século passado, focadas exclusivamente em lucratividade trimestral, podem, de fato, aumentar seus EBITDAs cortando custos e elevando preços, o que, por sua vez, impulsiona o valor das ações. Como resultado, executivos e gestores de fundos recebem bônus substanciais. Mas, e os consumidores? Eles são os verdadeiros perdedores nessa equação, sujeitos a práticas que priorizam lucros em detrimento da qualidade do serviço.

Esse cenário destaca uma desconexão preocupante entre a prosperidade no mercado de ações e a satisfação do cliente. A longo prazo, empresas que não se adaptam às expectativas modernas dos consumidores, focando na experiência e na inovação, podem não apenas perder sua base de clientes, mas também enfrentar sérias dificuldades financeiras. Portanto, a verdadeira questão é: até quando essas práticas insustentáveis serão viáveis em um mercado cada vez mais orientado ao consumidor?

É fundamental reconhecer a significativa transformação que a economia está passando, migrando dos paradigmas do século passado para as demandas e dinâmicas do futuro. Aqueles que compreendem a direção para a qual a economia futura se encaminha têm uma visão mais clara sobre as mudanças necessárias. Neste contexto de transformação digital, torna-se imprescindível colocar o usuário no centro das decisões, priorizando não apenas o aspecto financeiro, mas também valores como acessibilidade, sustentabilidade e impacto social de longo prazo.

Diante disso, surge um desafio considerável: como os executivos, tradicionalmente treinados para maximizar lucros de curto prazo, podem reorientar suas estratégias para garantir a sobrevivência e o sucesso sustentável de suas empresas no futuro? Este dilema se estende à comunicação com acionistas e investidores, que precisam ser convencidos da importância de sacrificar ganhos imediatos em prol de uma visão de longo prazo. A resistência a essa mudança pode resultar na perda de posições de liderança ou até mesmo no desaparecimento da empresa dentro de algumas décadas, como vimos casos clássicos Kodak, Blackberry, Iridium, e tantos outros que conhecemos inclusive aqui no Brasil.

Estamos, portanto, diante de um ponto de inflexão crítico. O mercado atual exige uma reavaliação de como as empresas são percebidas e valorizadas. Sem uma adaptação aos novos paradigmas, muitas organizações correm o risco de falência, afetando tanto acionistas minoritários quanto majoritários. A transição para modelos de negócios que valorizem a inovação, a responsabilidade social e a sustentabilidade não é apenas uma questão de sobrevivência empresarial, mas também uma oportunidade de liderar a economia do futuro.

Vamos explorar um exemplo fascinante de sucesso empresarial: a transformação da Microsoft. Para aqueles que ainda não estão familiarizados com esta história, recomendo a leitura do livro de Satya Nadella, o atual CEO da Microsoft, que liderou uma mudança notável na empresa.

Historicamente, a Microsoft destacou-se como uma potência em vendas, sendo uma das melhores do mundo nesse aspecto. Sob a liderança de Steve Ballmer, o foco era claro: vender, vender e vender. E essa estratégia funcionou bem, levando a Microsoft a alcançar um sucesso extraordinário. No entanto, com a chegada de Satya Nadella ao comando, a empresa começou a olhar além das vendas imediatas. Nadella percebeu que a Microsoft havia perdido a “onda” dos dispositivos móveis, uma vez que poucas pessoas usavam celulares com sistema operacional da Microsoft. Isso levou à pergunta crucial: “Qual será a próxima grande onda?”

Nadella identificou essa nova onda como a computação em nuvem. Com a previsão de que todos os dados migrariam para a nuvem e a iminente disponibilidade global da rede 5G, ele viu uma oportunidade para a Microsoft dominar o setor de sistemas operacionais na nuvem. Essa mudança estratégica não foi apenas uma decisão ousada, mas também um movimento crítico para o futuro da empresa.

Uma das inovações mais impactantes de Nadella foi a reestruturação do sistema de bonificação dos executivos. Anteriormente atrelado ao volume de vendas, o novo sistema vinculava os bônus ao consumo de serviços em nuvem pelos clientes. Isso significava que um contrato de 1 milhão de dólares que gerava um alto consumo de nuvem poderia ser mais valioso do que um de 10 milhões de dólares com menor uso. O foco mudou de simplesmente vender para ajudar os clientes a crescer e expandir seus negócios na nuvem, transformando os executivos de vendedores em consultores estratégicos.

Essa abordagem de longo prazo pode ter reduzido o faturamento imediato, mas pavimentou o caminho para um modelo de negócios sustentável e inovador. Como resultado, a Microsoft não apenas se recuperou, mas também alcançou um valor de mercado de 3 trilhões de dólares, provando o sucesso dessa transformação.

A história da Microsoft sob a liderança de Satya Nadella é um testemunho poderoso de como a visão de longo prazo, a coragem de inovar e a disposição para mudar podem levar a resultados extraordinários.

Ao abordarmos a transformação digital, emergem três desafios fundamentais que devem ser enfrentados com determinação e visão estratégica. Primeiramente, a necessidade de realinhar os incentivos dos executivos para que estes se concentrem não apenas nas vendas, mas também na satisfação do cliente e na inovação do produto. Isso exige uma mudança profunda na cultura corporativa, deslocando o foco do lucro de curto prazo para o valor de longo prazo e sustentabilidade do negócio.

Em segundo lugar, enfrentamos o desafio de transformar a cultura organizacional herdada do século passado, que se mostra inadequada para o dinamismo do mundo atual. A resistência à mudança é natural, mas deve ser superada através de treinamento e adaptação, preparando as pessoas para se sentirem seguras e engajadas no processo de transformação. A gestão de mudanças torna-se, portanto, um elemento crucial, exigindo liderança forte e uma comunicação eficaz para alinhar todos os membros da organização com a nova direção.

Por fim, a tomada de decisões difíceis que impactam o faturamento de curto prazo em favor de ganhos de longo prazo representa um dilema significativo. Essas decisões requerem coragem e uma visão clara do futuro que a empresa deseja construir. A liderança deve estar preparada para defender essas escolhas, mesmo diante de possíveis resistências internas e externas, pois sem essas ações decisivas, a transformação digital não pode ser realizada com sucesso.

Em resumo, a jornada da transformação digital é complexa e desafiadora, exigindo uma reavaliação profunda de práticas estabelecidas, uma mudança cultural significativa e a disposição para tomar decisões que podem parecer contra-intuitivas no curto prazo. No entanto, com a coragem de enfrentar esses desafios de frente, as organizações podem não apenas sobreviver, mas prosperar na nova era digital. A transformação digital não é apenas uma questão de tecnologia, mas uma reinvenção completa da maneira como as empresas operam, inovam e entregam valor aos seus clientes. Portanto, encorajo cada líder e cada organização a abraçar esses desafios com determinação, visão e a coragem de transformar.

É com esse intuito que estou me dedicando a levantar e abordar esse tema, afim de falar sobre a importância da transformação digital, para que tenhamos uma sociedade melhor, mais abundante, mais inteligente e por consequência mais prospera.

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